From far and wide

Hoje nos tornamos oficialmente cidadãos canadenses!

Já são 5 anos e quase 4 meses morando aqui no ” True North”, dá pra acreditar?

Não sabemos até quando ficaremos aqui. Temos um total de zero planos de mudar de país outra vez, mas também temos alguma dificuldade de nos ver “pra sempre” num mesmo lugar.

Provavelmente por isso foi tão curiosa a experiência de jurar fidelidade – ao rei e ao país.

Tanto tempo me sentindo (d)expatriada, carregando a sensação agridoce da escolha pelo afastamento, a culpa pelo “abandono”, o prazer pelas experiências proporcionadas aqui, longe…

As mudanças mil são meio que parte de quem somos enquanto família. Ainda que a cada vez a gente escolha ficar onde está, me sinto apegada à ideia de que há liberdade na possibilidade de simplesmente escolher ir.

Quando chegamos aqui fizemos o combinado de ficar nessas terras pelo menos tempo suficiente pra nos tornarmos cidadãos. Naquele momento, 5 anos parecia uma eternidade imensa.

Mas os dias foram passando. Os meses, os anos, a pandemia, as mudanças, as casas, os gatos, as reformas, os amigos, a família canadense… fomos assentando e talvez eu nem tenha bem me dado conta disso. Talvez 5 anos já não pareçam uma eternidade porque encontramos aqui muitos hojes que fazem sentido e valem a pena.

Que dá pra ir embora de onde há amor, eu já sei há mais de 13 anos.

Hoje me lembro mais uma vez de que temos muita sorte de encontrar amor pelo caminho de andanças.

E, com bandeirinhas vermelhas por onde olho, percebo que há liberdade em jurar que escolho ficar – ainda que possa, também, às vezes, querer ir.

Da terra gigante, linda e complexa que nos fez e forma. Na terra gigante, gelada e misturada que nos recebe.

Por enquanto, diga ao povo que fico. Com lágrimas nos olhos, gratidão no coração e disposição pra quantas eternidades couberem nos nossos hojes canadenses. Oficialmente, fico. Oficialmente, pertenço.

É pic

O dia amanheceu escuro, as calçadas repletas de lixeiras, as crianças saíram de casa brigando, o passeio da Maní, molhado e congelante, a garganta meio arranhando.

O humor, que também amanheceu escuro, ao se deparar com essa realidade pediu pra cancelar a tal coisa de data festiva e se esconder embaixo das cobertas.

Custou um esforço extra sair. Manter meu compromisso com a tradição de aniversário. Respirar um ar diferente, se molhar mais um pouco, almoçar pipoca e ver um filme bom. Foi bom.

A sala de cinema, que parecia ser só pra mim, foi aos poucos se enchendo de idosos cada vez mais velhos e eu ri da cena, como se o destino trouxesse, pra ver o filme comigo, vários lembretes de futuro.

Só que nessa altura da vida, envelhecimento é justamente oportunidade de futuro. É, também, saber que mesmo em dias e humores escuros a vida segue acontecendo no agora e futuro é só promessa.

A maturidade é essa ordem bagunçada que me faz permitir o choro sem julgamento e recolocar a cabeça no lugar e os pés em movimento.

Os abraços seguem vindo – apertados e por escrito. O aniversário, ao invés de cancelar, melhor comemorar mesmo.

Feliz 38 anos pra mim!

Espelho público

Depois de muito me trombar no instagram profissional, tentando fazer um perfil decente e que desse conta de tudo aquilo que o algoritmo parece querer da gente – pra mil vezes seguidas me sentir incapaz, abandonar a tarefa e sumir de lá, a ponto de as pessoas nem saberem se eu sigo atendendo como doula ou não – acho que cheguei em uma forma de manter a coisa minimamente viva, funcionando bem pra mim.

O caminho que tem dado certo é o de gravar pequenos vídeos com pensamentos, reflexões, dicas, etc.

Só que não é nada simples ficar convivendo com a minha própria cara publicada na internet, sabe?!

Eu lido diariamente com mulheres que assistem seus corpos se transformarem bruscamente e que vivem, da forma que podem, alterações importantes na auto-imagem, auto-estima, etc.

Se antes de ser doula, eu já considerava um ato político expor minha cara lavada por aí, agora isso também passa por questões de empatia, de maternidade, de escolhas privadas e compartilhadas…

É quase uma experiência (auto) sociológica ficar satisfeita com o que estou dizendo (e compartilhando), gostar da forma como falo para a câmera e estar tão, tão consciente (negativamente!) das espinhas aparecendo, das olheiras enormes, do olho maior que o outro, etc, etc, etc…

Todas as vezes teu gravo vários vídeos, tenho vontade de apagar todos, às vezes penso em passar uma maquiagem antes de gravar, outras questiono a tal decisão de me expor assim.

E todas elas eu escolho publicar. Não sem frio na barriga, sem uma balançada na auto-estima…

Eu queria sentir orgulho da minha imagem como sinto da fala – e até como sinto da escolha de publicar assim. Ainda não cheguei nesse ponto, mas sigo reafirmando, como um certo ato minúsculo de rebeldia, que me recuso a me dobrar aos padrões irreais que – ainda e sempre – esmagam as mulheres por aí…

Roda mundo, roda gigante

Esse ano a TPM veio com roupa de saudade antiga.

Do Chile, do espanhol, dos lares passados, até dos suburbios que eu jurava que não sentiria falta…

TPM misturada com ” inferno astral” – vulgo “então é (seu) natal, e o que vc fez?”.

Acho que tenho pensado tanto nas dualidades humanas porque ando me enroscando muito por elas. Talvez esteja há tempo demais sem ler filosofia.

Tá bom, mas não é só bom. É bom, mas cabe um monte de angústia dentro.

Já no tempo, parece não caber quase nada. Essa coisa maluca que escorre e leva junto um monte de possibilidades, enquanto eu tento me agarrar em tantas delas, que fico sem mãos para o corrimão e termino descendo a escada de bunda. Termino o dia com um hematoma assustador. Termino o mês ainda tão desconjuntada que fica ainda mais difícil me agarrar no tempo, ou nas coisas que ele insiste em levar embora.

A rodinha não para de girar e a hamster que às vezes se ilude pensando que descobriu a fórmula mágica pra não enlouquecer, se vê mal-e-mal mexendo as perninhas e causando (também, mas não só) o movimento da tal rodinha.

“Por isso às vezes ela cansa, e senta um pouco pra chorar”. Ou ela foge pro cinema (onde sempre rolam umas visitas ao passado). Ou ela tenta fugir da cabeça.

Do corpo não dá pra fugir (nem da rodinha). E lutar (com ele) não é saudável.

Como é que ativa sistema nervoso parassimpático se enquanto as perninhas giram, sem fim, as rodinhas, o cérebro entende que o perigo vem sempre chegando por trás?
Métodos de meditação são mesmo a fabricação de calmas abstratas e ficcionais numa realidade humana (e capitalista e patriarcal e etc) que gira em ciclos infinitos de up and down.

Que saco.

É bom. Mas é um saco.

O ontem e o hoje (e a semana passada)

Essa semana por aqui está rolando o ” March Break”, uma espécie de “semana do saco cheio”, em que as crianças não tem aula e muita gente aproveita pra fugir do frio e pegar calor em algum lugar tropical. Mas por conta do El Niño o clima anda muito maluco nessas terras e mesmo sem ter ido viajar, deu pra curtir juntos sol e muito ar livre nos últimos dias – uma delícia!

Aí ontem veio a chuva. E um dia de ficar em casa, de boa, na preguiça. Mas, aparentemente, no memorando das crianças veio faltando (que expressão maravilhosa hahaha) a parte do “de boa”. E tivemos um daqueles dias em que tédio vira provocação entre irmãos e brigas sem fim.

Ali, no meio do caos, convidei os dois pra fazer cookies – numa tentativa de entreter, adoçar, conectar….

Nos poucos minutos em que os biscoitos assavam e as crianças, curiosas, estavam de olhos atentos no forno, abri meu tablet e me deparei com uma “lembrança” de 5 anos atrás.

2019, March Break, crianças em casa, caos, muffins assando e crianças curiosas de olhos atentos no forno.

Impossível não sorrir e não refletir – sobre o quanto a vida é dos ciclos.

`As vezes me esqueço disso e fico achando que o caminho é só pra frente, que a gente avança em linha reta. E aí, quando me vejo num cenário com gosto de passado me frusto achando que estagnei, que os progressos sentidos foram todos ilusórios.

Só que as crianças estão aqui, crescendo e evoluindo bem na frente dos meus olhos, de uma forma que não deixa dúvidas do quanto o futuro já é hoje mesmo. E se olhando pra eles me lembro de que a vida é de constante movimento, me surpreendo também ao perceber o quanto algumas receitas são eternas – e acabam, então, sempre voltando.

Escrevi outro dia que conforme eles crescem o que eu sabia já não serve mais. Mas essa é só meia verdade. Os desafios aumentam e eu preciso aprender mais, mas tem uma porção de saberes e construções que ainda nos acompanham.

Da mesma forma que o colo dos meus pais me acalenta, do alto dos meus 37 anos, meus filhos, tão crescidos, ainda precisam de conexão e relações adocicadas.

Me parece que a vida tem cara de valsa – dois pra lá, dois pra cá. Espero, então, poder sempre apreciar o ritmo e o movimento. Ir e vir com as ondas do tempo. E assar um bolinho quando for hora de parar e se recompor.

(o “essa semana” e “ontem” do texto já estão passado. hahaha
Ainda que as crianças estejam crescidas, a presença dos dois por tantos dias em casa bagunça minha rotina e as coisas ficam meio penduradas por aí…

No final o atraso foi bom porque uma conversa com uma amiga hoje teve super influência em como esse texto se concluiu 🙂 )

Quiçá

Tenho o tempo que o marido demora pra ler um gibi pras crianças pra escrever.

Valendo!

Só porque sim, porque tô com vontade e porque lembrei que, às vezes, pra escrever, só preciso de um página em branco na minha frente.

É verdade que a tal página não é garantia de nada. Às vezes ela só me encara e nada acontece – ou a brancura vira neblina, que vira pressão, que vira impossibilidade.

Mas na energia do momento (Mercúrio e Marte andam dançando por onde, hein?!) a página vazia tem servido de combustível esvaziante. Ou o contrário, né, porque escrever transborda, mas, ao mesmo tempo, preenche.

No tempo do gibi não cabem grandes produções. E o vazio, em si, não é uma grande promessa. (mas pensando bem, até que pode ser)

Ninguém falou que ia sair texto bom. hahaha

Mas que gostoso que é colocar palavras pra fora, ocupar espaços – meus e do papel. Lembrar de usar a voz escrita que foi tão minha por tanto tempo.

“Não textos” viraram minha especialidade.

Mesmo assim, venha me ler. Não prometo respostas, indicações, dicas imperdíveis, reflexões implacáveis.

Não faço promessas, aliás.

Uso o vazio para ser e convidar a existências outras – minhas aqui e suas aí do outro lado.

Porque se eu posso terminar essas poucas linhas mais leve, de tão preenchida, talvez você também possa se alimentar do petisco das possibilidades.

Marcas

A casquinha cicatriza a escolha.

A coçeira não deixa faltar o cuidado.

Na pele, mais pedaços do eu se expõem.

O corpo como um cartão de visitas meio às avessas que, de cara, passa informações sobre mim que na verdade, o outro só pode compreender se me conhecer de verdade, com tempo…

Por que eternizar no concreto, se as importâncias não deixam nunca a cabeça ou a memória?

Machucar pra marcar. Cuidar pra curar e, assim, poder ficar. Mostrar sem contar. Não deixar (de) ver.

Injetar a tinta pra apreender. Tatuar pra não deixar de ser.

Eu.

Your 2023 Wrapped

Tenho certeza que não sou a única assombrada com o “como assim esse ano já acabou?!”.

Hoje comecei um dia um pouco esvaziada, com a impressão de que perdi um ano inteiro sem nem ver. Mas aí fui lembrada que esse é o problema de fazer tanto trabalho invisível na sociedade que quer tanto pro-du-ti-vi-da-de: a gente acaba esquecendo do é que enche os nossos dias e faz o ano passar…

Ri, então, imaginando meu “extrato” do ano, à lá Spotify:

  • Esse ano você limpou 457 vômitos! (mãe de duas crianças, 3 pets AND doula )
  • Você acolheu 893 minutos de choros (again, mãe, doula, etc)
  • Você tirou 39 fotos das árvores no outono e se emocionou com sutilezas por um total de 16 horas.
  • Foram 467 refeições preparadas (e tantas outras providenciadas)
  • 1.329 ‘Obrigadas’ ditos e escutados em 4 línguas diferentes
  • Roupas, louças e cabelos são seus favoritos quando se trata de ‘lavar’
  • Leitura – solitária ou compartilhada – parece ter um lugar especial no seu coração
  • Foram 15 novos bichinhos de crochê, uau!
  • Mas seu hit do ano, definitivamente, foi: Abraços

Enfim, fica aí esse lembrete pra quem, como eu, às vezes escorrega um pouquinho e se esquece do tamanho do espaço que a vida ocupa quando a gente tá ocupado em viver!

Me deixe mudo

“Sou feita de silêncio e palavra”

O coração trepida – batimentos que simulam um corpo em franco movimento são, dessa vez, sinal de uma mente que não consegue encontrar a próxima orientação do google maps interno.

“Eu não sei o que estou sentindo”.

Angústia sem nome às vezes parece pinicar mais.

“Esse é o tanto que eu não estou querendo ficar com meus pensamentos”.

Busco perdidamente distrações suficientes que permitam a mente encontrar um sofá e o coração freiar um pouco.

Queria acelerar o corpo pra ver se a cabeça encontra o outro pedal.

Mas nada…

E aí…não dá pra fugir de dentro da gente.

Me perco entre palavras e silêncios.

Entre conquistas, orgulhos, parcerias e felicidades tropeço no comichão constante.

Não há pomada pra essa coceira. Não há remédio pro que não é diagnosticado.

Lidar com os enroscos humanos é dolorido e bonito e fétido e poético e difícil e aliviante e exaustivo e etc.

Que saco isso de ser-humana.

Especialmente nos momentos em o corpo não dá conta do gás que me acostumei a pedir dele, porque aí a fumaça sobra só pra mim…

.

.

Inspiro – fumaça também.

Há anos eu sei e há anos esqueço: deixar a palavra sair é o único jeito de absorver o silêncio de fato.

Viva Rita

Hoje eu soube de duas vidas que chegaram cheias de pressa ao mundo.
E de duas vidas que se foram cheias de luta.
Entre elas, uma vida gigante e inspiradora, dessas que nunca se vão completamente, que ficam com a gente, na gente, pra sempre
Rita foi parte fundante do meu processo de adolescer. Nas canções que cantávamos a plenos pulmões debaixo de chuva de verão. Na catarse tão coletiva, mas tão individual que foi começar a desbravar o mundo e explorar São Paulo, sem a companhia dos “meu adultos”, pra ir muitas vezes ver a rainha do rock encantando multidões, iluminando os palcos e falando diretamente comigo.
Virar mulher ouvindo e assistindo aquela mulher foi fortalecedor.
Hoje, pensando na sua partida e nas tantas chegadas, brilha em mim a marca da vivacidade e a pressa de VIVER em letras garrafais.
Levo o dia entre as tantas homenagens que estão na internet e que transbordam em vários micro choros por hora.
“Chorar quem nos fez é reconhecer de quem fomos feitos” disse @alexandrecoimbraamaral.
Então eu choro. E aumento o volume da música. E danço como se ninguém tivesse olhando, como se eu tivesse 14 anos outra vez e estivesse de frente praqueles palcos encantados e encatandores.
Viva Rita!