O medo do medo do lobo bolo

Era um dia de semana no meio das férias de dezembro e decidimos levar as crianças pra ver o novo filme infantil do momento, “Coco”. Antes da metade, antes das caveiras, até, Cecília, na época com quase 4 anos, começou a sentir muito medo do que (ela achava que) estava por vir. Miguel, o personagem principal, desrespeitava ordens diretas da família pra correr atrás do seu sonho. Minha bichinha começou a se desesperar e, numa tentativa de respeitar seu medo e não obrigá-la a ficar ali sofrendo, topei que minha mãe saísse com ela do cinema. Enquanto eu, o Dante e uma amiga terminamos o filme, Cecília foi andar de carrossel e tomar sorvete com a avó.

Isso foi há uns 4 anos. Desde então, todas as vezes que eu invento de assistir um filme em família, é o maior bafafá. Choros escandalosos e protestos infinitos, mil negociações, trailers assistidos, propostas feitas (e de vez em quando uma certa chantagem, de ir ao cinema pra comprar chocolate, por exemplo..hahaha). O “trauma” da Cecília contaminou o Dante e os dois se juntam no motim, dificultando muito minha vida de “mas eu adoro filme, até fiz faculdade disso, vocês tem que gostar de filme comigo!”.

Já estamos há tanto tempo vivendo essa história que hoje em dia penso que a briga é mais pra “não sair do personagem medroso” do que pelo medo em si. E então eles fogem e gritam “não quero filme! filme nãooo! não quero!”

Mas o que eu acho mais interessante dessa história é que Cecília tem medo de sentir medo.

Talvez, lá atrás, quando tentamos lhe dizer “nós te respeitamos, você não precisa passar por isso se não quiser” a mensagem que chegou a ela foi “nós não achamos que você dá conta disso aqui, melhor sairmos.”.

Não é que ela tenha medo de bruxa ou de ladrão. Ela briga porque não quer se colocar no risco de se deparar com algo difícil de enfrentar. E foi ao notar isso que eu comecei a insistir pra vermos novos filmes, porque quero que ela veja que eu acredito, sim, que ela é capaz. Quero que ela saiba, como eu sei, que está tudo bem sentir medo, que a gente pode enfrentar, seguir e até aprender com o medo. Que ela pode!

Aos pouquinhos vejo que vamos evoluindo nesse ponto, as brigas diante da proposta estão cada vez mais curtas e de vez em quando os dois até aparecem com algum desejo de filme pra ver, quem diria!

Corta para: eu na terapia hoje, sem me lembrar dessa história toda aí em cima, me perguntando “como é que eu sei se eu não quero mesmo ou se a vontade de sair correndo vem de um lugar de medo, profundo e, às vezes, não conhecido?

Como é que eu sei se desisti (ou se quero desistir) para respeitar meus direitos e desejos ou se o instinto de sair correndo “serve” pra não correr o risco de ter medo, de errar, de me expor, de gostar, etc.

O medo do medo que dá.

Depois que perdi meu primeiro bebê, senti muito medo de engravidar de novo e, ao invés de curtir e ficar feliz, congelar os outros sentimentos com medo da dor de outra possível perda. Precisei de um respiro pra entender que, ali, o desejo era maior e a entrega era necessária. Me joguei, com medo de sentir medo mesmo. E depois do mergulho não encontrei o que temia, pelo contrário, encontrei força, realização, amor…encontrei a mim mesma.

Quando volto pra essa pergunta hoje, falando da bendita – e aparentemente infindável – busca profissional, não consigo ainda chegar numa resposta, mas uma coisa eu já sei: eu não sou uma criança de 4 anos. Eu não vou sair do cinema pra tomar sorvete. Dessa vez, pelo menos, eu fico até o final do filme. Eu sigo de olhos abertos, sentindo tudo o que tiver pra sentir. E depois de atravessada essa experiência talvez, e só talvez, eu consiga entender se eu não quero ou se eu quero tanto que eu escolho nem arriscar querer.