É pic

O dia amanheceu escuro, as calçadas repletas de lixeiras, as crianças saíram de casa brigando, o passeio da Maní, molhado e congelante, a garganta meio arranhando.

O humor, que também amanheceu escuro, ao se deparar com essa realidade pediu pra cancelar a tal coisa de data festiva e se esconder embaixo das cobertas.

Custou um esforço extra sair. Manter meu compromisso com a tradição de aniversário. Respirar um ar diferente, se molhar mais um pouco, almoçar pipoca e ver um filme bom. Foi bom.

A sala de cinema, que parecia ser só pra mim, foi aos poucos se enchendo de idosos cada vez mais velhos e eu ri da cena, como se o destino trouxesse, pra ver o filme comigo, vários lembretes de futuro.

Só que nessa altura da vida, envelhecimento é justamente oportunidade de futuro. É, também, saber que mesmo em dias e humores escuros a vida segue acontecendo no agora e futuro é só promessa.

A maturidade é essa ordem bagunçada que me faz permitir o choro sem julgamento e recolocar a cabeça no lugar e os pés em movimento.

Os abraços seguem vindo – apertados e por escrito. O aniversário, ao invés de cancelar, melhor comemorar mesmo.

Feliz 38 anos pra mim!

Espelho público

Depois de muito me trombar no instagram profissional, tentando fazer um perfil decente e que desse conta de tudo aquilo que o algoritmo parece querer da gente – pra mil vezes seguidas me sentir incapaz, abandonar a tarefa e sumir de lá, a ponto de as pessoas nem saberem se eu sigo atendendo como doula ou não – acho que cheguei em uma forma de manter a coisa minimamente viva, funcionando bem pra mim.

O caminho que tem dado certo é o de gravar pequenos vídeos com pensamentos, reflexões, dicas, etc.

Só que não é nada simples ficar convivendo com a minha própria cara publicada na internet, sabe?!

Eu lido diariamente com mulheres que assistem seus corpos se transformarem bruscamente e que vivem, da forma que podem, alterações importantes na auto-imagem, auto-estima, etc.

Se antes de ser doula, eu já considerava um ato político expor minha cara lavada por aí, agora isso também passa por questões de empatia, de maternidade, de escolhas privadas e compartilhadas…

É quase uma experiência (auto) sociológica ficar satisfeita com o que estou dizendo (e compartilhando), gostar da forma como falo para a câmera e estar tão, tão consciente (negativamente!) das espinhas aparecendo, das olheiras enormes, do olho maior que o outro, etc, etc, etc…

Todas as vezes teu gravo vários vídeos, tenho vontade de apagar todos, às vezes penso em passar uma maquiagem antes de gravar, outras questiono a tal decisão de me expor assim.

E todas elas eu escolho publicar. Não sem frio na barriga, sem uma balançada na auto-estima…

Eu queria sentir orgulho da minha imagem como sinto da fala – e até como sinto da escolha de publicar assim. Ainda não cheguei nesse ponto, mas sigo reafirmando, como um certo ato minúsculo de rebeldia, que me recuso a me dobrar aos padrões irreais que – ainda e sempre – esmagam as mulheres por aí…