Vertigo

O cansaço não parece condizente com a realidade.

O relógio marca uma imensidão de passos, andares e distâncias percorridos.

O corpo cansado – e sentido e pesado – dá conta de coisa pra caramba, as de dentro e as de fora. Haja treino de força pra sustentar tanta carga nessa vida.

Mas vira e mexe o tamanho da exaustão me soa como um sintoma –  pós covid,  anemia, depressão, idade?

Hoje estava pensando no que mais estou carregando quando subo as escadas, o que mais vai e vem pela cidade em que tanto circulo… não à toa resolvi reler meu querido Kundera. 

Que bonito o quão abstrato podem ser os conceitos de peso e leveza quando a gente olha pra eles com lentes coloridas…

A vida pode pesar mesmo quando tá tudo bem.
(E que curiosa essa sensação de não estar vivendo uma crise profissional e de identidade hahahaha)

Às vezes o peso é o que nos segura no chão, outras é preciso leveza pra sair do lugar. E às vezes é exatamente o contrário.

E o cansaço? O que ele me conta, o que me pede, o que me cobra, o que me tira?

Do que nos alimentamos – eu, meus monstros, minhas cargas e minhas baterias?

A frase de encerramento da terapia hoje foi “que difícil esse negócio de ser gente”. 

Perguntas não são respostas, mas abrem cada porta dentro da gente, que sobra até espaço pra espalhar móveis, colocar quadros, trocar o ar… e a canseira depois de um dia de mudança é um negócio que eu conheço muito bem!

Boa noite!

O que será

Dia desses eu assistia uma família nascer e pensava em como é maluca essa coisa de a gente se apaixonar completamente por uma pessoa que a gente não conhece – que nem bem pessoa é, até…

Vira e mexe eu vejo na minha menina crescida os olhos doces e o sorriso sapeca, que registro em seu rosto desde seus primeiros dias de vida. Mas comecei umas viagens filosóficas sobre o quanto é que ela já era ela desde aqueles primeiros momentos, dentro e fora de mim. 

A paixão enlouquecida se transmuta em entrega, desencontros, não-saberes – sangue, suor, lágrima, leite. O bichinho que acabou de chegar precisa ser a coisa mais importante do nosso mundo e nosso mundo vira aquilo por inteiro.

Tão dentro daquele mundo talvez a gente não se dê muito conta de que está, de fato, assistindo uma pessoa se fazer. A gente fabrica primeiro e depois assiste o fazer-se. Todo dia, cada dia um pouco.

Talvez porque agora minha bichinha caminhe em direção ao fazer-se não apenas gente, mas gente grande, as reflexões sem respostas e sem pé, nem cabeça me visitam quando revivo a familiaridade surreal do primeiro encontro de um bebê com seus pais.

Olho pra eles e nos vejo. Nos olhares curiosos por reconhecimento imagino quem eles serão em 10 anos mais. Imagino (mais do que lembro) quem é que nós éramos 10 anos atrás.

10 anos parece pouquíssimo. Mas nos 10 primeiros minutos de vida – que não canso nunca de admirar – cabem tantas vidas inteiras.
Termino essa reflexão de botequim desejando que cada golden hour que testemunho me ajude a lembrar de quão incondicional é esse tal desse amor e de quanta importância de vida tem em 1 hora de vida. Quantas horas douradas já couberam nos nossos quase 11 anos e quantas ainda caberão.

(mesmo nas manhã de mau humor, nas tardes de protestos e nas noites que não demorarão muito pra ser de espera)

Chover, pescar, chorar

Aproximadamente 95 ideias borbulhando. Flutuando em pedaços. Leves, pois incompletas. Passam rapidamente por mim sem que eu consiga alcançar nenhuma por inteiro.

Nenhuma nunca ficará pronta por inteiro se eu não tentar pescar, apreender, compreender…

Curiosa a sensação de que elas já existem, mas ainda precisam que eu olhe pra elas pra que possam nascer de verdade.

Pra olhar pra elas, preciso de atenção, de silêncio, de entrega, de coragem…

Não sei nem qual me falta mais…

Sento pra materializar pelo menos alguma dessas gotas que ameaçam chover em mim. E a máquina de secar roupas me chama. A criança me pede um pão. O gato mia. A cachorra treme.

Meu cérebro pede fuga.

Eu como, re-assisto séries antigas, releio livros (ou até leio novos). O tempo todo.

Sempre ocupada, me ocupo de nunca poder.

Se nunca posso, nunca pesco. Se nunca olho pra elas, elas nunca se condensam e nunca chovem. Apenas flutuam, como nuvens, às vezes inapreensíveis, leves e rápidas. Às vezes pesadas e densas – daquelas que até derrubam umas gotas pelo caminho, mas que vão tempestoar só em outro lugar.

A secadora segue apitando e me chamando. Molhada por alguma gota de ideia que toquei, encerro a escrita de mais um texto sobre a ausência de textos pensando que se juntar todos eles, nesses últimos 13 anos, já deve dar pra escrever um livro sobre como não escrever um livro.

E a ideia do parágrafo de encerramento me escapa. Fico sem fim. Assim como sem tantos outros começos. Sem-fins.

Bom tempo

Chegou a época do ano em que parece que o ano já acabou e que eu não fiz nada dele ainda.

E um pouco nesse clima de música de natal da Simone – 8 de outubro, Gabriela, socorro! – fui reler textos que publiquei nos últimos meses.

Achei divertido e curioso o tanto de “hoje” e “futuro” que povoou meu primeiro semestre. Eu estava realmente me sentindo a dona do tempo, a madura das ansiedades, a mãe do viver e (não) deixar passar.

Há!

Corta pra: “8 de outubro, Gabriela, socorro!
E pra agonia das promessas (de escrita, inclusive) que não cumpri, das oportunidades que não aproveitei (quais mesmo?), da decepção de “já não foi esse ano que realizei aquele sonho”.

Quando o futuro atropela o agora já sei que estou passando tempo demais no celular, que estou botando responsabilidade extra em coisas que mal mereciam a mínima e que estou precisando sacudir a cabeça com mais força, pra ver se uns parafusos voltam a se afrouxar um pouquinho…

E como não sou dona, madura ou mãe dessas coisas que vivem me afogando, às vezes eu esqueço que, importante mesmo é continuar a nadar nesse rio, sem perder de vista a margem que me mostra o caminho, o silêncio da minha própria companhia nesse mundo submerso e o ar, que precisa continuar fluindo pra vida continuar existindo com prazer.

(inspira bem fundo e solta bem devagar…fecha o olho…ouve o nada…ouve e nada.)