Quero colo! Vou fugir de casa…

Todos os dias, quando termina o jantar, ela me pede colo.

Ou melhor, vem de braços esticados, biquinho estratégico, abrindo caminho com seu corpo enorme e depositando seu peso no meu corpo desavisado. Às vezes ela vem ainda mastigando a última garfada. Muitas vezes, quando eu ainda estou comendo. Sempre sentando no meu estômago recém cheio e ocupado na digestão.

Essa carência com hora marcada – não por mim! – costumava me irritar. Eu me sentia desrespeitada e não vista. “Estou no meio do meu jantar! Será que dá pra respeitar meu espaço e meu corpo?”

Acontece que um dia desses, acho que a partir de uma conversa com uma cliente querida – mãe de uma bebéia recém nascida – me caiu um ficha: Se aconchegar no meu colo, com meu peito de travesseiro, logo depois de comer – mamar! – foi um ritual repetido milhões e milhões de vezes na nossa dupla. E eu finalmente entendi que esse colo de depois da janta pode estar justamente buscando a reprodução desses momentos.

A comida já não vem de dentro de mim – ainda que continue sendo entregue pelo trabalho do meu corpo. Ela tampouco se alimenta grudada na mamãe – ainda que adore esticar uma perna pra encostar na minha por baixo da mesa.

Mas naquele momento, imediatamente após a refeição, quando seu sistema nervoso parassimpático precisa se ativar no mais puro estado de relaxamento pra que seu cérebro e seu corpo se ocupem da digestão, é em cima de mim que ela vem parar.

A bichinha, comprida que só, já está vivendo dentro e fora mudanças que anunciam a chegada de uma nova fase – se bem que nem acho mais que é questão de anúncio apenas, mas sim da vivência de uma fase de meio do caminho.

Eu ando chorando de soluçar com propaganda de seguro que mostra criança virando adulto. Ando me divertindo com as conversas e até com as crises dessas mudanças. Ando me irritando (às vezes chorando também hahaha) com algumas rebeldias e novas dificuldades.

O tempo da vida que corre alimenta a ânsia por agora enquanto o futuro dá as caras no horizonte – de uma forma que quase não tem cabido nostalgia nos nossos dias.

Mas esse colo de depois do jantar precisou que eu encontrasse as memórias do ontem pra poder ser acolhido no hoje.

O peso excessivo no meu estômago me conta que esse ritual provavelmente não durará muito mais tempo. A vontade de fugir de casa já nos ronda um pouco. hahaha. O cheiro de cabeça de filha, me conta que esse corpo grande ainda é o da minha filhote. Os pedidos por respeito e espaço que sinto por dentro, já podem ser verbalizados pra que ajustes sejam feitos e a demanda dela possa ser atendida sem que as minhas sejam atropeladas ou percam suas importâncias.

Que coisa linda é ver filho crescer, minha gente!
Que coisa mágica é se alimentar de passado, presente e futuro numa só fungada de cangote.

From far and wide

Hoje nos tornamos oficialmente cidadãos canadenses!

Já são 5 anos e quase 4 meses morando aqui no ” True North”, dá pra acreditar?

Não sabemos até quando ficaremos aqui. Temos um total de zero planos de mudar de país outra vez, mas também temos alguma dificuldade de nos ver “pra sempre” num mesmo lugar.

Provavelmente por isso foi tão curiosa a experiência de jurar fidelidade – ao rei e ao país.

Tanto tempo me sentindo (d)expatriada, carregando a sensação agridoce da escolha pelo afastamento, a culpa pelo “abandono”, o prazer pelas experiências proporcionadas aqui, longe…

As mudanças mil são meio que parte de quem somos enquanto família. Ainda que a cada vez a gente escolha ficar onde está, me sinto apegada à ideia de que há liberdade na possibilidade de simplesmente escolher ir.

Quando chegamos aqui fizemos o combinado de ficar nessas terras pelo menos tempo suficiente pra nos tornarmos cidadãos. Naquele momento, 5 anos parecia uma eternidade imensa.

Mas os dias foram passando. Os meses, os anos, a pandemia, as mudanças, as casas, os gatos, as reformas, os amigos, a família canadense… fomos assentando e talvez eu nem tenha bem me dado conta disso. Talvez 5 anos já não pareçam uma eternidade porque encontramos aqui muitos hojes que fazem sentido e valem a pena.

Que dá pra ir embora de onde há amor, eu já sei há mais de 13 anos.

Hoje me lembro mais uma vez de que temos muita sorte de encontrar amor pelo caminho de andanças.

E, com bandeirinhas vermelhas por onde olho, percebo que há liberdade em jurar que escolho ficar – ainda que possa, também, às vezes, querer ir.

Da terra gigante, linda e complexa que nos fez e forma. Na terra gigante, gelada e misturada que nos recebe.

Por enquanto, diga ao povo que fico. Com lágrimas nos olhos, gratidão no coração e disposição pra quantas eternidades couberem nos nossos hojes canadenses. Oficialmente, fico. Oficialmente, pertenço.